A Música do Silêncio: uma breve resenha
Resenha do filme A Música do Silêncio
A Música do Silêncio é um filme do diretor e roteirista britânico Michael Radford que conta a história do cantor do Andrea Bocceli, tendo sido inspirada na autobiografia escrita por este e materializada na obra com o protagonista Amos Bardi, seu alter ego. O filme apresenta a difícil trajetória de um artista que teve que enfrentar o seu próprio eu imerso em questões existenciais oriundas da condição da sua cegueira. O que alguém que notadamente se vê como diferente pode fazer para que este traço não resulte em desigualdades no que diz respeito à dignidade da pessoa humana? A efetividade da resposta para esta questão passa pela necessidade do ato de ousar. A cegueira do personagem Amos retrata a própria singularidade da experiência do vir-a-ser de Bocceli que teve que ousar em fazer o diferente, colocando-se muitas vezes em risco para provar que pode “ser alguém”. Normal? Jamais, pois realmente ele precisou fugir da norma. Precisou buscar inspiração nas profundezas das suas convicções pessoais fortalecidas pelo incentivo do seu tio Giovanni e pelo maestro Marcelo, somado a toda rede de apoio formada por sua família e, posteriormente, esposa. O filme, que apresenta os nomes dos personagens diferentes dos protagonistas da vida real, mostra um pouco sobre a luta interna que cada um tem para ir além dos próprios limites e demonstra como contar com pessoas que podem nos auxiliar emocionalmente e com estímulos ao nosso projeto de vida pode nos alçar em outro patamar.
O grande astro da música, “encarnado” em Amos Bardi, artista que inclusive é real e tem sua história confluente com Bocceli no que diz respeito às condições de saúde e apreço pela música, nasceu com uma condição chamada de glaucoma congênito bilateral. Na primeira infância a sua mãe havia percebido uma necessidade não identificada de cuidados, pois após cinco meses do seu natalício a pequena criança apresentava crises intensas de choro. Com efeito, apesar das condições técnicas da medicina na época, a criança passou por uma cirurgia. Com três anos de idade, após uma intervenção cirúrgica, estando com uma venda nos olhos, Amos teve o seu primeiro contato com a música. Ao aproximar-se da parede e encostar a orelha sobre ela escutou a canção que tocava em um quarto ao lado, oriunda da ação de um homem que havia colocado a obra musical para tocar como enfrentamento a uma cegueira adquirida após um acidente de trabalho. O pequeno Amos teve seu desenvolvimento musical facilitado por seu tio Giovanni que lhe comprava discos e contava as histórias por trás das óperas que escutava. Ao receber do médico a notícia de que a sua condição estava se degradando, seus pais Alessandro e Edi (nome real dos pais de Bocceli) são orientados a encaminhá-lo a um curso de braille, o que resultou em um impacto muito grande no seio da família, sobretudo, porque o pequeno Amos estudava sob um regime de internato. Contudo, nessa instituição o seu contato com a música tornou-se ainda mais intenso, pois a professora da instituição o estimulou a aprender mais sobre esta arte, sobretudo, ao perceber seu talento nato para o canto.
No período após uma partida de futebol no qual Amos levou uma bolada na cabeça, a condição da sua cegueira piorou até resultar na “escuridão completa”, com a total cegueira. Isto levou o pequeno Amos a um enfrentamento espiritual, com um questionamento sobre a existência de Deus. Através do seu tio Giovanni, no entanto, um entusiasta da música no que diz respeito ao apreço, foi inserido em um concurso de música no qual o vencedor foi o próprio Amos. A trajetória exitosa de Amos sofreu um abalo quando ao cantar em um casamento o jovem notou uma irregularidade na sua voz, proveniente, provavelmente, da transformação dela em razão do despertar da adolescência. Seu pai o estimulou a tocar piano, mas Amos sentia que aquilo era limitante, algo para cego. Embora ele tenha aprendido a tocar piano, por influência do tio, nessa fase não avançou nas habilidades artísticas da música. Com efeito, entrou para o curso de direito onde conheceu um amigo que tornou-se um grande parceiro, facilitando a sua vida social e mesmo artística. A sua vida acadêmica foi aprimorada por um professor que efetuava a leitura dos textos e os gravava em fitas K7. Adriano, seu amigo, no entanto, apresentava a ele outra perspectiva de vida sendo esta na área da música. Primeiro ao som violão com o amigo enquanto cantava e, posteriormente, tocando piano e cantando, Amos teve um renascimento para esta arte. Torna-se, assim, um artista da noite, tocando em bares e restaurantes para prover a sua subsistência. Nesse meio caminho conhece Helena, por quem se apaixona. Em razão disso, e por sua inquietude existencial, preocupa-se em ter uma vida estável e retorna aos estudos acadêmicos após nova decepção na música quando, ao fim de uma apresentação, um avaliador diz a ele, Amos e seu tio Giovanni, que não vê futuro para o jovem na ópera, sobretudo, por sua condição vocal e por sua cegueira. Em razão disso, Amos formou-se em direito em junho 1984.
A trajetória do jovem sofreu uma grande guinada quando ele procura Marcelo Soares, um maestro que o ensina o rigor necessário para que em suas palavras ele se torne um grande tenor. Rigor e disciplina fazem parte dos métodos do maestro que orienta o jovem a não mais tocar no piano bar e a dedicar-se a falar menos, a não beber ou fumar e a dormir e acordar cedo. A música do silêncio é orientada pelo maestro que diz que a sensitividade é maior quando calam-se as palavras, pois escuta-se melhor, sobretudo, para Amos que já se guiava pelo som em razão da sua cegueira. Convidado a cantar com Zucchero, artista do Rock, que havia gravado também com Pavartti, Amos tem a oportunidade de alavancar a sua carreira com o consentimento do maestro Marcelo Soares. No entanto, o que era para ocorrer num curto espaço de tempo não acontece conforme o planejado. Paralelamente, Helena casa-se com Amos apesar de toda a expectativa da sua vida artística ainda em devir. Samuel Tranni, que agenciaria a substituição de Pavarotti por Amos na turnê de Zucchero frustra os planos do jovem artista, ignorando-o por um longo período até cancelar proposta estabelecida do trabalho oferecido. O jovem artista, cada vez mais calado, em razão do que chama de música do silêncio, cogita até desistir da música até que, por fim, recebe o telefonema do próprio Zucchero, confirmando a proposta de trabalho para um espetáculo. Este é o ápice da sua carreira emergente, mas também gera tensões com a sua agora esposa Helena. O ciúme oriundo de uma fama emergente não impediu a sua cônjuge de estimulá-lo. Com isto, Amos alcançou um novo patamar artístico através da sua participação exitosa no festival de Sanremo em 1994, conquistando o prêmio na categoria Novas Propostas.
Por fim, é importante considerar a mensagem que o filme visa nos apresentar: é necessário romper os ciclos da normalidade no processo de construção de si mesmo. Avançar requer, muitas vezes, romper com os nossos limites e isto pressupõe que devemos ousar o diferente.
Assista o Trailer no link abaixo:
Referências:
A MÚSICA do Silêncio. Direção Michael Radford. Itália: Picomedia, 2017.